quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Crítica de Cássia Navas para "Composição para guitarra e escápulas - e outras partes", apresentado no Sesc Pompéia em Janeiro de 2010. Gravado pelo Sesc TV, o espetáculo é apresentado no programa Dança Contemporânea. Está no ar novamente, pela segunda vez em 2012; é a quarta temporada que é apresentado; pode ser conferido em vários horários.




Composição para Guitarra e escápulas – e outras partes
Mimese Companhia de Dança-Coisa 
                                                                                                 Cássia Navas

Uma intérprete, um músico, elementos corriqueiros em cena: banco, tecido, bacia, água. A obra “Composição para guitarra e escápulas – e outras partes”, de Luciana Paludo, apresenta-se despojada, o título apontando para um estudo coreográfico, uma composição, neste caso entre dança e música.
Entre as duas linguagens, estabelece-se o exercício da mediação realizada em hierarquia horizontal: ambos os intérpretes, bailarina e músico, estão sobre o palco, em diálogo dramatúrgico.
Na modernidade, os estudos transdisciplinares marcam presença em todas as artes e são estratégias para o estudo das linguagens realizadas dentro de sua forma de ser, original. Apresenta-se a estrutura da dança através da dança e a da pintura através da pintura, entre outras.
O estudo das estruturas de cada arte traz uma nova faceta de seu desvelamento para seus realizadores e públicos dentro do universo da investigação estética e para além da atividade de pesquisa em si, como o realizado na universidade contemporânea, geralmente através da cultura letrada.
Em dança, tais objetivos e metodologia trazem a esta espécie de estudos e composições um certo hermetismo, próprio da decupação de estruturas. Na obra desta Mimese Companhia de Dança-Coisa este debate está presente.
Todavia nela se configura um “estado da arte” que ultrapassa este universo, transformando a obra em um momento de concentração de estados emocionais, que, pela maestria da atuação da intérprete gaúcha, vão sendo construídos a partir da estruturação dos movimentos,
A partir de movimentos das escápulas, que fazem parte do dorso superior  do corpo humano, trabalha-se uma tridimensionalidade cênica que se coloca em dança, a partir do trânsito do corpo com o corpo do violão-música de Pedro Rosa Paiva.
 Podemos observar a intensa concentração coreográfica que resulta dos entremeios da dança com a música, a partir de segmentos do corpo, em jogo de espaço e tempo. Podemos também e somente assistir a uma coreografia focada no corpo feminino, em solilóquio interior a partir do proposto pela trilha.
Neste sentido “Composição para Guitarra e escápulas – e outras partes”  apresenta-se como um discurso sobre o feminino, haja vista a força da interpretação, que parte da estrutura do que compartilhamos entre todos – um corpo que nos une como espécie-  ter origem no corpo-memória de uma intérprete mulher.
Esta circunstância dramatúrgica subjaz à obra, os sentidos sendo elaborados pela arte de Paludo, construída por sua experiência de intérprete de nosso tempo, em arte contemporânea, em que a imbricação de uma atitude e escuta frente à experiência de cada um, somada à estrutura profissional em si, é almejada a partir da ligação (e religação constante) que se estabelece com o mundo.
Em cena temos a intérprete e a mulher, e por ela passa esta tradição, que remonta à modernidade, mas que na obra é exercida de maneira contemporânea, com despojamento generoso de um religare consigo, com a arte e com o público.

São Paulo, fevereiro de 2010.
Cássia NAVAS

                                          Fotos de Laércio Sulczinski


Reportagem do Guia da Folha:

Movimento das escápulas desencadeia coreografia de Luciana Paludo 

http://guia.folha.uol.com.br/concertosedanca/ult10046u685076.shtml 

SP, na ocasião de minha apresentação no SESC Pompéia, em 2010.

A crítica de Cássia Navas foi escrita a partir dessa apresentação, a qual foi gravada pelo SESC TV para ser exibida no programa Dança Contemporânea. Foi ao ar nos anos de 2010, 2011, 2012 e, recentemente, em 2013, em vários horários. O texto de Cássia serve de base para o programa.

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