Crítica de Cássia Navas para "Composição para guitarra e escápulas - e outras partes", apresentado no Sesc Pompéia em Janeiro de 2010. Gravado pelo Sesc TV, o espetáculo é apresentado no programa Dança Contemporânea. Está no ar novamente, pela segunda vez em 2012; é a quarta temporada que é apresentado; pode ser conferido em vários horários.
Composição
para Guitarra e escápulas – e outras partes
Mimese
Companhia de Dança-Coisa
Cássia Navas
Uma intérprete, um músico, elementos
corriqueiros em cena: banco, tecido, bacia, água. A obra “Composição para
guitarra e escápulas – e outras partes”, de Luciana Paludo, apresenta-se despojada,
o título apontando para um estudo coreográfico, uma composição, neste caso
entre dança e música.
Entre as duas linguagens, estabelece-se o
exercício da mediação realizada em hierarquia horizontal: ambos os intérpretes,
bailarina e músico, estão sobre o palco, em diálogo dramatúrgico.
Na modernidade, os estudos
transdisciplinares marcam presença em todas as artes e são estratégias para o
estudo das linguagens realizadas dentro de sua forma de ser, original.
Apresenta-se a estrutura da dança através da dança e a da pintura através da
pintura, entre outras.
O estudo das estruturas de cada arte traz
uma nova faceta de seu desvelamento para seus realizadores e públicos dentro do
universo da investigação estética e para além da atividade de pesquisa em si,
como o realizado na universidade contemporânea, geralmente através da cultura
letrada.
Em dança, tais objetivos e metodologia
trazem a esta espécie de estudos e composições um certo hermetismo, próprio da
decupação de estruturas. Na obra desta Mimese
Companhia de Dança-Coisa este debate está presente.
Todavia nela se configura um “estado da
arte” que ultrapassa este universo, transformando a obra em um momento de
concentração de estados emocionais, que, pela maestria da atuação da intérprete
gaúcha, vão sendo construídos a partir da estruturação dos movimentos,
A partir de movimentos das escápulas, que
fazem parte do dorso superior do corpo
humano, trabalha-se uma tridimensionalidade cênica que se coloca em dança, a
partir do trânsito do corpo com o corpo do violão-música de Pedro Rosa Paiva.
Podemos
observar a intensa concentração coreográfica que resulta dos entremeios da
dança com a música, a partir de segmentos do corpo, em jogo de espaço e tempo.
Podemos também e somente assistir a uma coreografia focada no corpo feminino,
em solilóquio interior a partir do proposto pela trilha.
Neste sentido “Composição para Guitarra e
escápulas – e outras partes” apresenta-se como um discurso sobre o
feminino, haja vista a força da interpretação, que parte da estrutura do que
compartilhamos entre todos – um corpo que nos une como espécie- ter origem no corpo-memória de uma intérprete
mulher.
Esta circunstância dramatúrgica subjaz à
obra, os sentidos sendo elaborados pela arte de Paludo, construída por sua
experiência de intérprete de nosso tempo, em arte contemporânea, em que a
imbricação de uma atitude e escuta frente à experiência de cada um, somada à
estrutura profissional em si, é almejada a partir da ligação (e religação
constante) que se estabelece com o mundo.
Em cena temos a intérprete e a mulher, e
por ela passa esta tradição, que remonta à modernidade, mas que na obra é
exercida de maneira contemporânea, com despojamento generoso de um religare consigo, com a arte e com o
público.
São Paulo, fevereiro de 2010.
Cássia NAVAS
Fotos de Laércio Sulczinski
Reportagem do Guia da Folha:
Movimento das escápulas desencadeia coreografia de Luciana Paludo
http://guia.folha.uol.com.br/concertosedanca/ult10046u685076.shtml
SP, na ocasião de minha apresentação no SESC Pompéia, em 2010.A crítica de Cássia Navas foi escrita a partir dessa apresentação, a qual foi gravada pelo SESC TV para ser exibida no programa Dança Contemporânea. Foi ao ar nos anos de 2010, 2011, 2012 e, recentemente, em 2013, em vários horários. O texto de Cássia serve de base para o programa.
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